As histórias por trás dos estilos de cervejas são assuntos recorrentes na coluna de nerdices, que já falou sobre a Keller Bier, Trapista, Wit, IPA, Russian Imperial Stout, Pumpkin Ale, Stout, cerveja de Natal, Brut Bier, Weiss e Lambic. Contribuindo ao post da semana passada veio a tona uma questão em relação a classificação da cerveja, no caso sobre 2 ou 3 famílias, e hoje a coluna irá tentar explicar sobre a separação da bebida em categorias diferentes.
Pegando novamente o gancho do post anterior, hoje vou falar sobre o que causa, e causou no post, uma certa polêmica no mundo cervejeiro. O fato de eu ter mencionado 3 famílias de cerveja é por muitos profissionais desconsiderado, valendo se apenas da existência de duas, Ale e Lager. Então por que será que algumas referências mencionam 3 e outras apenas 2, de onde surgiu essa polêmica e aonde ela vai parar?
A princípio, vamos lembrar o que foi dito no post anterior em relação a Estilos e Famílias:
Para iniciar o assunto é importante lembrar que as 3 famílias de cerveja são Ale, Lager e Fermentação Espontânea. Lambic é um estilo porém muitas vezes confundido ou denominado como sendo uma classificação primária. A levedura da Ale, Saccharomyces cerevisiae, fermenta melhor em uma temperatura mais elevada e ao final se deposita acima da cerveja, flutuando. Enquanto a levedura da Lager (pronuncia-se Laguer), Saccharomyces pastorianus ou carlsbergensis, fermenta melhor a uma temperatura mais baixa e ao final se deposita no fundo da cerveja, decantando. Já as leveduras de fermentação espontânea trabalham como as de Ale, porém possuem características únicas e bastante variadas para determinar um estilo.
É prudente dizer que as cervejas de fermentação espontânea se caracterizam pelo “uso” da levedura Brettanomyces em sua produção, como principal fator de diferenciação das outras famílias. Contudo os estilos variados desta família usam uma gama de leveduras e bactérias acéticas a mais para lhe proporcionar características únicas.
Dando continuidade, vamos antes entender a história dos estilos pois não foi sempre assim que as cervejas se classificavam, como já visto em outro post. A falta de distinção das bebidas, nos registros antigos, tornou a separação em estilos, pelos historiadores, bastante complicadas pois não há características muito óbvias para tal. A interpretação dos registros se limita em citar bebidas diferentes quando assim são chamadas, caso contrário podendo se referir a diversas bebidas comuns para a situação do documento.
Em casos como na pedra de Alulu na suméria, por exemplo, é possível observar a descrição de 2 tipos de bebidas, assim também como os Egípcios que produziam a Zythum dos notáveis e a de Tebas, onde a diferença ficava na qualidade da bebida.
Plínio, o Velho, na Naturalis Historia escreve sobre as cervejas dos Celtas que era feitas na Gálea e outra na Espanha, de maneiras diferentes e com nomes diferentes. Os germânicos possuíam a Cervisae e a Plena Cervisae, que se diferenciavam na robustez. Derivado desta última, na Alemanha nos meados de 1400, surgiu o termo Bier, com a popularização do uso de lúpulo. A Ale começou a ser distinta de Beer, pois esta se referia apenas a bebida antiga e rústica, enquanto o novo termo culminou a nova qualidade de bebida que usava lúpulo. Por final a Ale ganhou derivações, conforme sua qualidade e força, como Pale, Common, Full Boddy e vários outros termos.
Através do tempo, por tentativa de erro e acertos, algumas cervejas foram se destacando e ganhando fama. Isto conferiu a elas o status de referência de produção e dando lhe o nome por alguma característica ligada ao sucesso como qualidade, força, cor, ingredientes, receita, forma de produção, origem ou nome do local. Estas características podem ser observadas por exemplo na Pale Ale (cor), Russian Imperial Stout (qualidade), Porter (local) e Lambic (origem).
As Lagers só apareceram em 1840–1841 e deram origem a várias novas cervejas que também levam estas características no nome, como Vienna, Kölsch e Pilsen (todas por origem).
Foi em 1969 no livro A Treatise on Lager Styles, de Fred Eckhardt, a primeira menção sobre estilos de cervejas e em 1977 no livro The World Guide To Beer, de Michael Jackson, a classificação de estilos começou a ser considerada em âmbito mundial.
A obra literária de Michael Jackson gerou uma verdadeira revolução no mercado cervejeiro mundial, que tomou novos rumos ao redescobrir uma grande variação da bebida. Empresas importadoras de Vinhos começaram a buscar cervejas, produtores começaram a testar novas e velhas receitas, bares compravam rótulos do mundo todo e até a criação de um guia oficial em 1985, o BJCP, foram resultados desta ampliação do conhecimento sobre a cerveja.
A partir deste ponto houve um cuidado e interesse maior em relação aos estilos existentes no mundo pois eles não foram criados por Michael Jackson mas já estavam lá. Características que deram nome a estilos antes atualmente também servem como ponto de referência para classificar as cervejas, separando as por aparência, aroma, sabor, sensação, força, gravidade, álcool, levedura, malte (grãos), lúpulo, água e adjuntos ou outros.
O ingrediente fundamental para concepção da cerveja, a levedura, era desconhecido na antiguidade e sua função atribuída ao divino. As leveduras sempre estiveram presentes na natureza, “contaminando” a mistura de água, grãos e lúpulo (posteriormente) para assim se obter a cerveja. O homem aprendeu de forma natural e “involuntária” a selecionar as leveduras que mais lhe serviam na preparação da sua cerveja para aperfeiçoar a receita e conseguir reproduzir a mesma, criando um ambiente dominado por um tipo de microrganismo que mais se adaptou. A reutilização de um mesmo recipiente para fermentação e / ou também o restante da bebida anterior foram as formas mais eficientes de se reproduzir as leveduras em um local, assegurando que estas dessem um resultado semelhante na próxima produção.
Após o descobrimento dos microrganismos houve um início de separação das cervejas por família de levedura pois as cervejas eram fermentadas por tipo diferentes. Biologicamente falando toda cerveja na história foi proveniente de fermentação espontânea até a descoberta da levedura, que a partir deste momento pode ser replicada e controlada em laboratório. O termo Ale, que se referia a diversas bebidas alcoólicas, assim como a Lager, que se referia a cervejas estocadas no frio, se tornaram uma família de cerveja por atuação de sua levedura. Os antigos termos de Ale, Cervisae, Beer e tantos outros nomes, que eram usados para descrever a cerveja, acabaram sumindo ou se transformando em termos atuais.
O uso de todos estes nomes servia para se referir a bebida que era fermentada de forma natural (espontânea), pois não havia conhecimento para reprodução laboratorial, e desta forma podemos dizer que toda Ale e Lager (além dos outros nomes) foi uma cerveja de fermentação espontânea e vice versa.
Para a separação em família, atualmente, é preciso observar primeiro o comportamento da levedura e a seguir qual levedura atuante. Isto é, observamos se o microrganismo é de baixa ou alta fermentação e qual é exatamente sua espécie (cerevisiae, pastorianus, carlsbergensis, brettanomyces, lactobacillus, etc). Desta forma é possível separar as cervejas em diversas famílias, porém duas principais (por conter mais estilos) são utilizadas como base e o uso de uma terceira é comum.
Os principais guias de estilos cervejeiros na atualidade, BJCP e BA, seguem diversas regras para separar as cervejas dentro de suas categorias. Ambos sugerem que há uma terceira classificação como as espontânea ou as híbridas, onde há mais de uma levedura atuante no processo de fermentação. Por tanto, uma terceira família pode englobar toda cerveja que é fermentada por uma levedura diferente da Ale e Lager, podendo conter ou não estas duas principais.
A história e as peculiaridades demonstram como é difícil de se classificar uma cerveja pois o que era simples tendenciou ao complicado, teve que ser rotulado como tudo na atualidade. Os guias são apenas uma referência, tentam ajudar quem se profissionaliza mas não devem ser a verdade absoluta, principalmente se você é um cervejeiro caseiro. Não se prender é fundamental para evitar a falta de criatividade, a frustração maior e a busca pela perfeição inexistente.
As famílias cervejeiras são amplas e sofrem metamorfoses, quando for falar do assunto concentre-se nos estilos pois eles trazem a origem da cerveja. Desta forma cada vez mais novos estilos podem surgir, cada produtor com o seu como já é comum, e os melhores deixam seu nome para a história.
Saúde!
É interessante lembrar que existe uma pesquisa importante para desenvolvimento de leveduras brasileiras. O Pão & Cerveja 218 teve uma entrevista interessante com Marcelo Barga, um engenheiro químico que trabalha nesse segmento. Isso parece um passo bem dado na direção de um estilo nacional.
Achei bem informativo e satisfatorio o conteudo deste post, e gostei muito mesmo da parte que vc diz que jamais devemos ficar preso a rotulos e receitas mas ao invez sempre buscarmos inovar e surpreender os paladares valeu ai Liquita
Eu que agradeço Marco Antonio, por ter gostado do texto.
Muito bom, recheado de informação.
Confusão comum visto que vários fabricantes informam errado no rótulo, mesmo as micro. E as macros pois simplesmente pegaria mal colocar “north american adjunct lager” no rótulo e colocam pilsen que fica mais bonito.
Exatamente, tem muita cerveja com o estilo fora do esperado, de certa forma as macros tem razão de colocar algo mais simples e evitar errar rs.
Fala Luquita!
Excelente post e bem completo. Vou ter que ler novamente depois com mais calma pra absorver tudo.
Mais interessante foi descobrir que as classificações que usamos dos estilos são bastante recentes, não tem nem 40 anos!
E dá próxima vez aparece lá pra tomar umas com a gente hehe
Abraço!
Fala Daniel, primeiro quero pedir desculpas mas realmente estava difícil de sair de casa rs.
Até eu tive que re-ler o texto para ver se faz sentido hahaha mas de fato, é algo recente e as pessoas se prendem atoa a isso.
Abraços