Para quem acreditava que a Birra Moretti, do senhor com el bigodon no rótulo, era o único símbolo verdadeiro da cerveja italiana, deve ter se surpreendido com a quantidade de cervejas importadas da península da bota que encontramos hoje em casas especializadas aqui no Brasil.
Nos últimos 20 anos a produção de cerveja artesanal na Itália, um país tão ligado à cultura e história do vinho, vem assumindo grande proporção. O fenômeno tem intensificado o surgimento de microcervejarias e brewpubs e destacado os produtores locais em nível internacional. Sem falar nos cervejeiros caseiros que também utilizam os espaços de casa, antes ocupados por Fiats Cinquecentos e Lambretas, para fermentar cereais. Hoje podemos encontrar por toda Itália marcas premiadas internacionalmente como a Baladin, Birra del Borgo, Brewfist, Almond 22, Maltus Faber, Birrificio del Ducato, Foglie d’Erba, Nuovo Birrificio Italiano, Toccalmatto, Birrificio Montegioco, Extraomnes, entre muitas outras.
A produção recente de cerveja artesanal italiana ganhou força a partir de 1996 nos subúrbios e zonas rurais anônimas do norte da Itália. Pelas mãos de um pequeno grupo de cervejeiros caseiros, ocorreu a inauguração da Unionbirrai (unionbirrai.it) da onde saíram dois gurus da arte cervejeira: o Teo Musso da Le Baladin (baladin.it) em Piozzo, uma comuna italiana da região do Piemonte, e Agostino Arioli do Birrificio Italiano (birrificio.it), em Lurago Marinome, na província de Como, região de Lombardia. O rumo desses cervejeiros é semelhante ao tomada por gente de outras nações. Começam como apreciadores e bebedores, passam a homebrewers e por fim adotam uma profissão cervejeira.
A “Itália Cervejeira” se parece muito com o Brasil no que diz respeito ao desenvolvimento do mercado. Tudo evoluiu rapidamente, na última década nasceram muitos cursos especializados em diversas regiões, formando sommeliers e mestres cervejeiros. Também se difundiram as fontes de informação para quem se interessava por produzir sua própria cerveja, a exemplo de revistas especializadas em papel, como a Fermento Birra, e na internet, como o famoso site Mondobirra (mondobirra.org).
Como todo mundo que “descobre” a produção em larga escala de cerveja artesanal, a Itália começou a produziras suas birras imitando estilos consagrados belgas, alemãs e tchecos. Mas hoje já podemos dizer que o país desenvolveu personalidade própria usando cevada, malte e até lúpulo nativo (sim, existem plantações de lúpulo na Itália e você pode saber mais a respeito através do site associazioneitalianaluppolo.wordpress.com). Sites oficiais como microbirrifici.org contabilizam mais de 900 cervejarias e brewpubs ativos na Itália com destaque para as regiões da Lombardia, Piemonte e Toscana. Mas se o assunto for bares para se beber cerveja artesanal, a capital do país continua sendo Roma, com casas como a Ma Che Siete Venuti a Fa (Via Benedetta, 25) e Open Baladin (Via degli Specchi, 6), ambas no bairro de Trastevere. Milão também se destaca com o LambicZoon (Via Friuli, 46) e o La Belle Alliance (Via Evangelista Torricelli, 1). Em Gênova, bem no meio de um labirinto de becos, recentemente foi inaugurado o Scurreria Beer & Bagel (Via di Scurreria, 22). Em Bolonha uma boa opção é o Ranzani 13 (Via Camillo Ranzani, 5/12H) e, em Florença, bem pertinho da Ponte Vecchio, vale visitar o Archaea (Via dei Serragli, 44). Festivais cervejeiros também ganharam destaque no país. Se tiver oportunidade, não perca o Italian Beer Festival que acontece no Parque Forlanini em Milão e também o Beer Village, em Siena (villaggiodellabirra.com), entre as colinas da Toscana.
É importante na história da cerveja artesanal italiana abrir um espaço especial para o Teo Musso. Quem acompanha a mídia e os eventos cervejeiros brasileiros, já ouviu falar muitas vezes sobre ele e suas passagens pelo nosso país. Além das excelentes cervejas que produz, já esteve por aqui em diversos momentos, como na parceria com a Academia Barbante na colaborativa Primavera, uma Witbier para a inauguração da cervejaria do Eataly São Paulo. Outra coisa que nos trás recordações constantes de Teo Musso é o TEKU, o primeiro copo especialmente concebido para saborear cervejas artesanais (veja também a matéria que o Adriano Cavalari escreveu aqui no blog), criado por ele e Lorenzo Dabove (o Kuaska) e encontrado nas boas casas especializadas brasileiras.
Musso, um prodígio da cerveja, como dizem, começou a se envolver profissionalmente com a bebida quando em Piozzo, a comuna italiana onde vivia na região do Piemonte, decidiu abrir um bar juntamente com sua esposa Michelle. Reformaram um prédio onde funcionava um hotel antigo, escolheram 200 rótulos de cerveja de toda a Europa e convidaram amigos músicos e artistas para se apresentarem ao vivo. Foi nessa época, em 1986, que surgiu o “Le Baladin”. Essa estranha palavra significa “contador de histórias”, em francês antigo. A inspiração veio de um circo itinerante que uma vez se apresentou em Piozzo. A produção de cerveja não acontecia nesse período. Tudo mudou quando Teo em 1996 foi se aventurar pela Bélgica e arrumou um trabalho na Brasserie d’Achouffe. Também conheceu Jean-Luis Dits da Brasserie à Vapeur e somadas as experiências, começou a produzir cerveja a sua maneira. Voltando à Itália, ele toma posse de uma garagem ao lado do pub e inicia a produção da Baladin. A partir daí, Teo caracterizou seus rótulos, produziu sua garrafa, criou personalidade individual para seus produtos e contribuiu fortemente para a difusão da cerveja artesanal italiana. Desde então a Baladin não para mais de crescer e hoje é encontrada em muitos bares e restaurantes da Itália e do mundo.
A carta não é pequena:
Spiced Beers: Isaac, Wayan (essas duas tem os nomes de seus filhos) e Nora (a mãe das crianças).
Pure Malt Beers: Leön, Elixir e Super.
Hoppy Beers: Nazionale, Super Bitter e Open Rock’n’Roll.
Special Beers: Mielika, Mama Kriek, Zucca, Nöel Café, Mem e Suzi Dry.
Linha Baladin Cellar – Teo Musso Reserve: Xyauyù, Xyauyù Barrel, Xyauyù Fumè, Lune, Terre, Xyauyù Kentucky e Metodo Classico Riserva 2014.
Linha Open: Open Rock’n’Roll, Open Gold, Open Amber e Open White.
Beers On Tap: Nelson, Niña e Brune.
É bem provável que essa lista já tenha aumentado e nunca pare de crescer.
Em novembro 2015, em uma visita a Roma, tive chance de visitar o Pub Open Baladin da cidade. Espaço agradável que só serve cervejas artesanais italianas. Cada uma a 5 euros o copo. Nada barato, mas a experiência compensa. Foi a oportunidade de provar na pressão as excelentes Cortigiana da Birra del Borgo e a Nora da Baladin harmonizadas com o SINGIN’ IN THE RAIN (hambúrger, peperoni assado, bacon, cebola frita na cerveja, queijo suíço e tabasco) e o VEGGIE BURGER (hambúrger de berinjela à milanesa, muçarela de búfala, maionese de manjericão e salada). Acompanhados de Batata Chips com páprica. Ficaram divinos.
Agora já sabe, quando for à Itália, você tem muito o que provar além dos melhores vinhos do mundo.
Fontes: Revista Ulisse da Alitalia (nov/2015) e todos os sites citados no texto.
Anselmo,
Muito legal o artigo, já provei algumas da Baladin e da Birra del Borgo, eles tem ótimas cervejas….algumas medianas tbm, mas na maioria valeram a pena.
E como eles levam esta questão de comer e beber a sério, esse mercado tem muito potencial.
Abç
Guzzon
Valeu Fabrizio! De que região da Itália veio a família Guzzon?
Anselmo,
Vieram no norte da Italia, região de Piemonte.
Acho que ainda tenho uns primos por lá… mas não tenho contato.
Abç
Guzzon
Olha aí, Piemonte, a terra do Musso! Esses primos poderiam te mandar umas brejas de presente Guzzon!
Fala Anselmo!
Sensacional o texto. Tenho muita vontade de conhecer a Itália e certamente quando o momento chegar vou voltar aqui e catar certinho esses endereços e dicas.
Até agora só provei a Wayan da Baladin, mas achei sensacional. Quero muito provar os demais rótulos deles.
É muito interessante o mercado cervejeiro da Itália. Tem muito potencial e eu vejo os italianos como sendo muito criativos. Tenho boas expectativas pro futuro.
Arrivederci!
Valeu Daniel. Acho que a Itália é um lugar de tantos interesses que não há tempo que baste para estar por lá como turista. Ficamos uma semana entre Roma e Florença e só deu pra realizar os planos mais óbvios. Pelo que percebi, a história da cerveja artesanal lá é muito parecida com a nossa, só estão alguns anos à frente. Mas acho que um “problemão” para os cervejeiros é ter que competir com o vinho. A gente bebe cerveja em todos os lugares, eles não. É como tentar tocar rock no carnaval. Mas o bom é que o italiano leva a coisa do comer e beber muito a sério, por esse aspecto deve ser muito bom viver em lugar assim. Coloca aí a Itália em seu roteiro mesmo se for pra beber pouca cerveja. E quanto vier a São Paulo, coloca o Eataly no tour, é uma boa experiência com as coisas dos carcamanos.