Lambic, Wild ou Sour? Afinal é tudo azedo…

Lambic, Wild e Sour não costumam ser os estilos prediletos dos amantes da cerveja, pois nem todos gostam de azedar a vida. A popularização destes estilos no mundo, e a procura especifica por estes no Brasil, trouxe algumas dúvidas ao apreciador. Afinal, qual é a diferença entre as azedas?

Lambic

O post da semana passada foi um sucesso e esta semana resolvi tentar desmistificar outra cerveja que costuma criar uma certa confusão na cabeça do leitor desta coluna, ou melhor do apreciador de cervejas!

*Adendo, um agradecimento especial ao nosso leitor e amigo Flavio Yokooji, que sugeriu esse tema!

Ao contrário das Weiss e Weizen, nas quais a diferença está apenas no nome, as Lambic, Wild e Sour se diferenciam por motivos muito mais complicados.

LambicPara iniciar o assunto é importante lembrar que as 3 famílias de cerveja são Ale, Lager e Fermentação Espontânea. Lambic é um estilo porém muitas vezes confundido ou denominado como sendo uma classificação primária. A levedura da AleSaccharomyces cerevisiae, fermenta melhor em uma temperatura mais elevada e ao final se deposita acima da cerveja, flutuando.  Enquanto a levedura da Lager (pronuncia-se Laguer), Saccharomyces pastorianus ou carlsbergensis, fermenta melhor a uma temperatura mais baixa e ao final se deposita no fundo da cerveja, decantando. Já as leveduras de fermentação espontânea trabalham como as de Ale, porém possuem características únicas e bastante variadas para determinar um estilo.

É prudente dizer que as cervejas de fermentação espontânea se caracterizam pelo “uso” da levedura Brettanomyces em sua produção, como principal fator de diferenciação das outras famílias. Contudo os estilos variados desta família usam uma gama de leveduras e bactérias acéticas a mais para lhe proporcionar características únicas.

LambicA cerveja de fermentação espontânea mais tradicional é a Lambic, originalmente feita na Bélgica, e categorizada na União Europeia pela Confederação de Cervejarias Belgas. As principais características para determinar uma Lambic estão ligadas historicamente a sua região e legalmente às técnicas de produção.

A Lambic, teoricamente, só pode usar este nome se for produzida em Lambeek e Pajottenland, ambas ao sudoeste da Bélgica, assim como no caso da Champanhe, onde apenas o espumante feito na região de Champagne pode receber este nome. Lambeek supostamente é a detentora da origem do nome do estilo e caso a cerveja não seja produzida em uma das regiões citadas elas deverão ser denominadas “Cervejas tipo Lambic Belga”.

LambicEm relação a produção de uma Lambic autêntica, que pode usar um selo específico, a cerveja terá que ser clara, ácida, com maturação em madeira e usar leveduras Brettanomyces, de forma simplificada. Esse tipo de cerveja possui, em todos os casos, a característica de fermentar naturalmente ou espontaneamente por leveduras que estão presentes no ambiente ou ao redor deste.

LambicHá mitos a respeito das condições ideais para se produzir cervejas deste tipo nestas regiões Belgas. O surgimento e a tradição provêm da Bélgica, mas as condições ideais podem ser reproduzidas em qualquer ambiente, pois as leveduras necessárias estão presentes em todo o planeta. Para tal efeito há diversas formas de se recriar um ambiente como pelo passar do tempo, onde o ambiente ao redor começa a criar uma cultura de leveduras ideais para isto, ou então criando “artificialmente” o ambiente (quando em uma região mais adequada), regando o local com cervejas do estilo e que ainda possuem os microrganismos vivos para ali se proliferarem. Barris e fermentadores de madeira também costumam ter sua colônia de microrganismos com o passar do tempo e a reutilização destes na maturação garante a qualidade e homogenização da cerveja, sendo assim possível uma cervejaria comprar o barril de outra e assim começar a criar a sua cerveja.

LambicOutro mito é sobre a higiene, não há por que se preocupar com a sujeira ou algum animal entrando em contato com a cerveja pois a atividade microbiológica é tão intensa que a camada natural de espuma e CO2 protegem o topo do fermentador, evitando o contato com qualquer outra coisa.

A fermentação espontânea depende em boa parte de organismos selvagens, mas pode ser controlada e artificial também. Em casos onde ocorrem esses “mix” de organismos vivos, técnicas e “aparatos”, a cerveja pode receber o nome de Wild Ale, diferenciando-na da Lambic.

LambicPor outro lado, a Sour possui características bastante diferentes para definir seu estilo pois teoricamente é mais “industrializada”. Na Sour o uso da levedura Lactobacillus (igual o Yakult) é a principal característica, algumas receitas se utilizam da Pediococcus, e como na Lambic, as Brettanomyces e bactérias acéticas fazem parte também do processo de fermentação. Vale lembrar que o uso de frutas, principalmente cereja, ajuda a trazer notas azedas em uma segunda fermentação e é utilizado em ambos os estilos.

LambicConcluindo, o que diferencia Lambic, Wild Ale e Sour é o processo de produção e as variações de fermentação, interrompida ou contínua. É difícil precisar exatamente a diferença entre as cervejas, características sensoriais do produto final determinam muito mais qual é o estilo já que na produção o uso de leveduras selvagens, leveduras especificas adicionadas e outros microrganismos acabam que deixando tudo imprevisível. Sem dúvida deve ser complicado para as cervejarias determinar onde se encaixar, o uso de frutas e blends (misturas) acaba por se tornar uma alternativa para melhor se adequar. Estilos tipo Fruit, Kriek (cereja literalmente), Gueuze ou Geuze, Faro, Red ou Bruin Flanders e Faro são em sua maioria misturas de dois tipos de cervejas de  fermentação espontânea, podendo ser nova com velha, mais alcoólica com menos alcoólica, pura e refermentada com fruta, etc. Isto porque deixamos de fora as cervejas azedas alemãs, Berliner Weiss e Gose, além de outros estilos antigos que em sua maioria estão praticamente extintos.

Para um profundo estudo sobre o assunto, convido a todos novamente a lerem o blog “O Cru e o Maltado” do amigo Alexandre Marcussi. O autor explora bem a fundo as cervejas de fermentação espontânea e foi baseado em partes nos seus estudos que consegui elaborar este post. Infelizmente, acredito eu, cometi alguns erros que comentarei no próximo post.