IPA, o dossiê! – Parte 1

A India Pale Ale (e não “IndiaN”) ou simplesmente IPA (Ai-Pi-Eiou, rs) é com certeza um dos estilos mais adorados e/ou odiados no mundo. Atualmente a IPA esta em ascensão, graças as cervejarias americanas, que reinventam o estilo com suas altas cargas de lúpulo e que agradam a muitos. A origem do estilo é muito discutida e a única certeza que temos é que provém do velho continente, mais exatamente da Grã Bretanha.

Lúpulo

Aproveitando a deixa do último BeerCast, mencionando principalmente o IPA Day que ocorrera em Agosto, vou fazer um pequeno dossiê, dividido em algumas partes, sobre a origem da IPA. Alguns de vocês já devem saber que há controvérsias sobre o seu “surgimento”, tendo algumas variantes da história a ser contada.

A versão clássica popular da história:
IPAA IPA, como o nome sugere, é uma variação da Pale Ale e a característica principal de diferenciação é seu amargor pronunciado de lúpulo. A história da Pale Ale, muito anterior ao surgimento da IPA, conta que ela era enviada para Índia com o intuito refrescar os oficiais do Exército Britânico, residentes ali durante o período colonial, ajudando-os a enfrentar o alto calor e a escassez de água potável.

Porém a Pale Ale convencional não estava preparada para as longas viagens de navio pois além da distância até o destino a cerveja chacoalhava muito. A solução encontrada para evitar que a cerveja estragasse, durante o transporte, foi de colocar uma alta carga de lúpulo que servia como ótimo conservante natural e aumentar o álcool da cerveja para que este também ajudasse na conservação.

A versão clássica completa da história:
Em meados de 1750 o estilo Pale Ale era muito consumido na Grã Bretanha, foi neste período que George Hodgson abriu sua cervejaria em Londres, tornando se muito popular. Neste mesmo período a Grã Bretanha mantinha uma grande parceria comercial, como muitos outros locais, com a Índia e de lá provinham especiarias, chás, algodão e diversos outros produtos. A Companhia das Índias Orientais tornou se a principal empresa de transporte marítimo destes produtos e que trazia da Grã Bretanha, entre outros produtos, a cerveja.

Fazendo um Brinde sem uma IPA

Napoleão Bonaparte

O advento das Guerras Napoleônicas fez com que tropas marítimas Inglesas ancorassem na Índia, juntando se aos comerciantes e administradores ingleses que já estavam por ali. Antes da chegada da Pale Ale na Índia outros estilos, como a Porter, já eram conhecidos e muito consumidos por lá. Não se produzia cerveja na Índia pois o calor (naquela época ainda não se pensava em refrigeração), a falta de ingrediente e água de baixa qualidade eram fatores que impossibilitavam tal atividade. Neste período houve um exponencial aumento na demanda por cerveja pois cada soldado tinha direito a um galão (3,78 litros) por dia e isto fez com que a exportação de Pale Ale, da Grã Bretanha, fosse necessária. O difícil transporte marítimo e a mudança de temperatura dificultavam a chegada da cerveja ao local de forma satisfatória.

Durante a guerra a principal carga da Companhia das Índias Orientais se tornou a cerveja, uma vez que o transporte dos demais produtos acabou praticamente sendo suspenso. A cervejaria de Hodgson inovou fazendo uma Pale Ale com carga maior de lúpulo, que pudesse aguentar a adversidade da viagem e que acabou se aperfeiçoando, naturalmente, durante o transporte. A explicação para isto foi que a mudança de temperatura e o maior contato com o barril de carvalho, por causa do balanço, causaram um aprimoramento na cerveja.

Primeira referência a Pale Ale de Hodgson

Anúncio da Hodgson

Logo a Pale Ale*, ou India Ale como também foi chamada, de Hodgson se tornou a mais popular na Índia. Um ato de ganancia e falha de Hodgson, com seu sócio, fez com que a Companhia das Índias Orientais, que até o momento transportava exclusivamente a cerveja de Hodgson, procurassem por outros cervejeiros para negociar a carga. Foi em Burton-upon-Trent que Samuel Allsopp (mencionado no post sobre a Skol) foi incumbido de fazer uma cópia da Pale Ale de sucesso na Índia e assim iniciou um novo suprimento para venda de cerveja na Índia.

Allsopp começou a fabricar a Pale Ale reforçada, com o diferencial da água** de Burton, que em combinação com o lúpulo conferia a cerveja um toque levemente mais amargo e uma aparência mais bonita.

*Vale lembrar que o termo IPA não existia até então e por isso era ainda considerado uma Pale Ale.

** Um fato histórico Inglês é o da produção de cerveja na região de Burton-upon-Trent pois lá a água é rica em cálcio, que é uma fonte de nutriente excelente para as leveduras.

Lembrando também que a água fazia mais diferença na produção naquela época e atualmente aquela cerveja de Agudos é tão ruim quanto a feita em qualquer outro lugar. A água nos tempos atuais pode ser manipulada quimicamente nas cervejarias, assim obtendo as propriedades necessárias para a fabricação da cerveja, até porque se não fosse desta maneira alguns estilos seriam praticamente impossíveis de ser reproduzidos em certos locais do mundo.

IPAA nova Pale Ale de Allsopp causou um prejuízo para Hodgson que, apesar de ter um bom posicionamento no mercado Indiano, perdeu espaço pelo seu concorrente. Allsopp ofertava uma quantidade maior, graças a aliança com a Companhia das Índias Orientais, e um produto de qualidade mais aceita a um povo que já consumia muito a Pale Ale.

A Pale Ale da Índia só começou a fazer sucesso na Grã Bretanha depois de um lote de cerveja fora leiloado para os habitantes locais, depois de ser resgatado de um naufrágio que levava cerveja para a Índia.

Hodgson, quase sem mercado externo, começou a concentrar a sua força no mercado interno, fazendo cerveja para aqueles que voltavam para a Grã Bretanha. Foi nesta ocasião que o termo Índia Pale Ale começou a ser usado pois Hodgson oferecia a Pale Ale que era destinada a Índia ou igual a da Índia.

East Índia é uma referência a HodgsonCuriosidade, já naquela época as primeiras versões com lúpulo americano começaram a ser produzidas pois com a grande demanda interna e externa pela IPA, e com 3 grandes cervejarias as produzindo, houve uma falta de lúpulo inglês no mercado, o que levou as cervejarias a procurarem por fontes externas de lúpulo.

Continua na Parte 2 e Parte 3

Fonte: Larousse da Cerveja, Vamos falar de Cerveja e A mesa do Mestre-Cervejeiro