Posso vender minha cerveja caseira? Better Call Bruno!

Olha aí mais um amigo do estreando sua coluna no Beercast. A ideia é que aqui o Bruno Vallone, um “quase advogado”, trate de temas legais (nos dois sentidos) sobre o mercado e também assuntos correlatos ao mundo cervejeiro. Mande suas dúvidas para este espaço, porque você sabe, é sempre Better Call Bruno!

Já estreio trazendo um assunto polêmico e que ainda gera muita discussão. Então, antes de começar a falar de leis, normas, produtores caseiros, MAPA e etc…, faço uma ressalva de que está é apenas a minha interpretação da lei e não pretendo de forma alguma esgotar o assunto nessas poucas linhas.

Bom, vamos ao que interessa!

Em 2009 foi publicado o Decreto n.º 6.871, que buscava regulamentar a padronização, a classificação, a inspeção e a fiscalização da produção e do comércio de bebidas. Que no seu conteúdo trouxe algumas classificações importantes que quero citar.

Primeiramente, em seu artigo 2º o Decreto define “bebida” como todo produto industrializado e líquido que é destinado à ingestão humana (nós).

“Art. 2º Para os fins deste Regulamento, considera-se:

I – estabelecimento de bebida: o espaço delimitado que compreende o local e a área que o circunda, onde se efetiva conjunto de operações e processos, que tem como finalidade a obtenção de bebida, assim como o armazenamento e transporte desta e suas matérias-primas;

II – bebida: o produto de origem vegetal industrializado, destinado à ingestão humana em estado líquido, sem finalidade medicamentosa ou terapêutica;”

No âmbito jurídico, entende-se por “produto industrializado”, todo aquele resultante de qualquer operação que modifique sua natureza, funcionamento, acabamento, apresentação ou finalidade do produto, aperfeiçoando-o para consumo, sendo irrelevantes o processo utilizado para obtenção do mesmo.

Em segundo lugar, por “estabelecimento” o Decreto definiu o seguinte:

“Art. 4º A classificação geral dos estabelecimentos, de acordo com suas atividades, isoladas ou em conjunto, é a seguinte:

I – produtor ou fabricante;

II – padronizador;

III – envasilhador ou engarrafador;

IV – atacadista;

V – exportador; ou

VI – importador.

§ 1o Produtor ou fabricante é o estabelecimento que transforma em bebida produtos primários, semi-industrializados ou industrializados de origem agropecuária.”

Portanto, a lei traz apenas uma definição genérica de estabelecimento, e eu entendo que aqui tudo estaria englobado, não importando se a cerveja é fabricada na AMBEV ou sítio da vó Solvelina (tácale pau nessa brassagem), pois os dois são estabelecimentos que transformam produtos primários em cerveja.

Há quem sustente outras interpretações, uma vez que a lei não menciona em nenhum momento os estabelecimentos caseiros e artesanais. Vale lembrar que até o momento não há regulamentação deste decreto por parte do MAPA.

Outro ponto polêmico, foi a Portaria nº 142, de 6 de novembro de 2012, que pretendia regulamentar a produção cervejeira no país. Contudo, antes de ser publicada, a portaria passou por um processo de consulta pública, onde qualquer pessoa poderia sugerir mudanças em seu texto.

Houve uma movimentação dos micro cervejeiros que bombardearam, com razão, o texto da Portaria nº 142, pois a comunidade cervejeira demonstrou haver vários problemas em seu texto. Dentre eles eu destaco o artigo 11 que traz pela primeira vez os termos “artesanal” e “caseiro”, o que causou uma enorme confusão, vejam:

‘Art. 11 Para efeitos dessa norma poderá ser designado de estabelecimento artesanal ou estabelecimento caseiro localizado em área urbana aquele que apresentar produção anual máxima de:

III- Trinta mil litros de cerveja;”

Eu entendo por cervejaria “artesanal”, micro cervejarias como a Colorado, Dama, DaDo Bier, Bamberg, etc. E como “caseiros”, os aventureiros de finais de semana que mais erram do que acertam suas receitas. (DICA: se você errar na mão, é só classificar como IPA que tá tudo certo), Brincadeira, tem muitos manos (e manas) competentes por aí, que manjam horrores.

Outro ponto estranho nesse artigo é o limite de produção de cerveja, pois o teto estabelecido de 30 mil litros por ano (2500 litros por mês), não é algo difícil de ser alcançado até mesmo por um produtor caseiro. E por outro lado é uma quantidade ridícula perto do que uma micro cervejaria é capaz de produzir, para se ter uma ideia, a Bamberg em 2011 produzia 50 mil litros por ano, ou seja, a Portaria n.º 142 já nasceu ultrapassada e não refletia a realidade do mercado brasileiro.

Assim, embora o MAPA ainda não tenha publicado definitivamente uma portaria que regulamente o assunto, eu entendo que a venda de cervejas caseiras não é permitida sem o devido registro no MAPA, pois como vimos, o Decreto 6.871/2009 acabou colocando no mesmo balaio tanto o produtor industrial quanto o artesanal/caseiro.

Vale mencionar que há um projeto de lei do deputado Rogério Mendonça (PL nº 5.191/2013) que pretende regulamentar o setor cervejeiro, mas infelizmente, seu texto acaba repetindo muita coisa da Portaria nº. 142, inclusive a quantidade teto de 30 mil litros por ano de cerveja.

Esse projeto possui grandes chances de ser aprovado, visto que o lobby no congresso, formado pelas indústrias de bebidas não quer de jeito nenhum um boom de concorrentes com produtos muito superiores aos deles no mercado.

Senhoras e senhores, fica aqui a minha contribuição para esse Podcast que acompanho desde o nascedouro e que carrego sempre no meu celular para ouvir nas minhas idas e vindas de São Bernardo do Campo.

Por fim, é com grande honra que aceito o convite como colunista e podem ficar sossegados porque meus honorários não são muito caros.

Abraço.